Naquele dia tudo mudou. Caminhou
lentamente pela erva molhada e olhou para o céu. Havia algo indecifrável e
desencantado naquele olhar. Era como olhar para as águas paradas de um lago,
como se de um espelho se tratasse. Era mais um dia que desaparecia no horizonte
ensombrado por nuvens negras. A noite aproximava-se, insuspeita, e algo faltava
nesse vazio imenso que era a sua alma. Era de doer, ver como se perdia no seu
pequeno mundo de pensamentos, onde vagueava procurando respostas a tudo aquilo
que não entendia. E era tanta coisa… Continuou a caminhar pelo enorme campo
sempre com os olhos postos no horizonte. Sentia as mãos frias, mas não se
importou. Continuou a sentir a gentil brisa que lhe passava entre os dedos.
Naquele momento encontrava-se distante de si mesmo e parecia ter entrado numa
espécie de transe. A calma da natureza à sua volta deixava-o sentir cada batida
do seu coração que parecia quase parar. De súbito parou de caminhar e
permaneceu estático. Umas gotas de chuva começaram a cair molhando-lhe o rosto
e ao longe os últimos raios de sol criavam um estranho jogo de sombras enquanto
este desaparecia por detrás das árvores. Imóvel no meio daquele enorme campo
deixou-se levar pelas suas emoções e cerrou os olhos com toda a sua força.
Sentiu-se a rodopiar numa enorme espiral de sentimentos que o sufocavam, e na
sua mente surgiram imagens de recordações, momentos, instantes e vivências do
seu passado. O mundo parara de girar, o vento soprou com mais força, o tempo
parou e dos seus olhos caíam agora algumas lágrimas disfarçadas pela chuva leve
que caía. Naquele momento tudo desaparecera, tudo deixara de ser real e ao
longe surgiam estranhas silhuetas de criaturas místicas, cavaleiros andantes e
animais que corriam na sua direcção. Estarrecido, deixou-se cair lentamente de
joelhos sobre a erva molhada e esperou. Momentos depois, essas estranhas visões
passavam por ele a grande velocidade deitando-o ao chão e fazendo com que
abrisse sua boca num grito de desabafo enquanto rastejava pela erva molhada. De
olhos abertos, fitando o céu, ouviu então o que lhe pareceu ser uma música
celestial, uma espécie de coro entoando cânticos que pareciam desfasados do
tempo em que ele pensava estar. O cansaço apoderou-se dele e como que derrotado
deixou-se ali ficar enquanto a noite domava o dia, dando lugar à escuridão. Ao
longe um sino começou a tocar e o seu som foi-se esbatendo enquanto ele
mergulhava na inconsciência…